A HISTÓRIA DA ESCOLA DE ENFERMEIRAS
DA CRUZ VERMELHA BRASILEIRA
A história da Escola de Enfermagem da CVB se confunde com a própria história da Enfermagem no Brasil. Foi a Grande Guerra (1914-1918) que contribuiu para despertar o interesse na população brasileira pela prestação de serviço voluntário. Um grupo de senhoras da sociedade carioca constituiu um comitê denominado “Damas da Cruz Vermelha Brasileira”, que foi reconhecido posterior e oficialmente como a SEÇÃO FEMININA DA CRUZ VERMELHA BRASILEIRA, que teria como objetivo prestar auxílio como enfermeiras voluntárias a feridos e doentes em tempo de guerra ou em caso de calamidade nacional.
Antecedentes
A história da profissionalização da enfermagem no Brasil:
A organização de um sistema de preparação da força de trabalho para os hospitais psiquiátricos ocorreu em 1890, amparada pelo Decreto nº 791/1890, que estabelecia os requisitos básicos para o curso, como forma de ingresso, frequência, período de duração e conclusão, bem como descrevia todas as disciplinas a ser ministradas destinadas a “preparar enfermeiros e enfermeiras para os hospícios civis e militares”.
Segundo Taka Oguisso, em seu livro Trajetória histórica e Legal da Enfermagem (2ª Edicão, 2007 Manole), “a finalidade do curso da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras era, sem dúvida, preparar o pessoal que já trabalhava no próprio hospício e dar oportunidade de trabalho a mulheres e órfãs que não tinham como sobreviver sem uma profissão que as sustentasse, após os 18 anos, quando saíam dos orfanatos.”
Ainda segundo Oguisso, outras iniciativas de ensino de enfermagem tiveram registro no Brasil, como o conceituado Hospital Samaritano paulista, cujo primeiro estatuto, datado de 1890, já previa a criação de uma escola de enfermagem. A origem do hospital Samaritano se deveu a motivos religiosos, pois na época as Santas Casas de Misericórdia não aceitavam de bom grado os doentes não católicos. Desse fato surgiu a necessidade de preparar enfermeiras para cuidar de pacientes de outras religiões. Para sanar esse problema, um imigrante protestante de origem chinesa legou seus bens para a construção de um hospital que atendesse pessoas de todos os credos religiosos. Membros da Igreja Presbiteriana, empenharam-se para que esse hospital fosse fundado, em 1890, com o nome de Hospital Samaritano, em São Paulo. Foram contratadas enfermeiras inglesas, formadas pela Escola de Florence Ningtingale, para nele trabalhar. As alunas entravam como praticantes, moravam no hospital e ficavam sob a supervisão da diretora, também chamada de matrona. Somente eram aceitas como candidatas as pessoas do sexo feminino.
Apesar do provável pioneirismo quanto à implantação do modelo ninghtingaleano, essa antiga instituição de ensino de enfermagem não conseguiu notoriedade no Brasil nem mereceu maiores destaques por parte dos órgãos públicos (...), talvez esse descaso possa ser explicado – não porém justificado – pelo fato de tratar-se de uma escola criada em hospital privado, com orientação não católica e também localizada fora da capital da República da época.
A 1ª Guerra Mundial e a Cruz Vermelha Brasileira
A Primeira Guerra Mundial foi uma guerra global centrada na Europa, que começou em 28 de julho de 1914 e durou até 11 de novembro de 1918. O conflito envolveu as grandes potências de todo o mundo, que se organizaram em duas alianças opostas: os aliados e os Impérios Centrais. Estas alianças reorganizaram-se e expandiram-se em mais nações que entraram na guerra, incluindo o Brasil, em 1918.
Dentre as funções da Sociedade de Cruz Vermelha em tempo de guerras, registradas em seu Estatuto Social, está a instalação de Dispensários-Escolas para instrução do pessoal sanitário de enfermeiras, de padioleiros e de voluntários da Cruz Vermelha.
Nesse período, algumas Damas da Sociedade carioca da época criaram o Comitê das Damas da Cruz Vermelha Brasileira. Em 23 de setembro de 1914, elas encaminharam ao Presidente da CVB o seguinte abaixo-assinado:
As abaixo-assinadas, senhoras do Rio de Janeiro, desejando ser úteis à Pátria, prestando seu auxílio na qualidade de enfermeiras voluntárias para feridos e doentes em tempo de guerra ou em caso de calamidade nacional, reuniram-se e formaram um Comitê.
O fim deste Comité é obter a adesão de outras Senhoras e Senhoritas, para instituir uma escola de enfermeiras voluntárias, seguindo um curso teórico prático, a se completar em parte no Hospital Militar, para o que já se obteve o devido consentimento.
Confiando nos altos dotes morais de V. Exa. Pedimos que, na qualidade de Presidente de tão benemérita Associação, consinta que seja este Comitê oficialmente reconhecido como seção feminina da Cruz Vermelha Brasileira, podendo assim continuar seus trabalhos de acordo com os estatutos e regulamentos existentes.
Bem assim, rogam se digne V.Exa dispensar seu valioso patrocínio a tão nobre desideratum em prol dos interesses da mesma Associação.
Assinam: Heloisa L de Leal; Condessa de Souza Dantas; Condessa de Affonso Celso; Ayres Leitão da Cunha; Zuleica de Mayrink; Maria Antonietta da Silva Costa; Maria J da Silva Costa; Annita de Barros de Lacerda; B de Souza e Silva; Baronesa de Santa Margarida; J. Thomaz Lopes; Olga Maciel da Costa Leita; Helena de S. Lage; Rosa de Souza Lage Braga; Maria Souza Pessoa; Lucinda Rocha de Toledo Lisboa; Hermínia de Moraes Austregésilo; C. Inglez de Souza; Maria Gabriela Coelho Netto; Theolinda Fritz; Hermínia de Souza Sampaio; Helena Baylly Furtado; Annita Itália Garibaldi.
A Seção Feminina foi incorporada à CVB em reunião da Assembleia Geral de 3 de outubro de 1914. Em 29 de outubro de 1914, ficou sua Diretoria constituída de uma presidente, duas vice-presidentes, uma 1ª secretária, uma 2ª secretária e 1ª e 2ª tesoureiras.

Heloisa Loureiro Leal
Por ocasião da I Guerra Mundial, em 1914, um grupo de Damas da Sociedade carioca, liderado por Heloisa Leal, criou uma Comissão Feminina, com a finalidade de prestar auxílio aos doentes e feridos em tempo de guerra ou nos casos de calamidade nacional. A comissão foi reconhecida pela CVB e passou a ser denominada Secção Feminina da Cruz Vermelha Brasileira. Em face da necessidade de enfermeiras para a capital federal, as Damas da Cruz Vermelha propuseram, em 1916, a criação de um curso de enfermeiras profissionais.
Escola de Enfermeiras
Foi designada pela Assembleia Geral da CVB a Comissão de Ensino Prático e escolhido o Prof. Dr. Hilário de Gouvêa para presidi-la, que declinou do cargo por motivos pessoais e o Conselho Diretor da CVB, reunido em 13 de outubro do mesmo ano, aclamou como seu substituto o médico militar, então coronel, Dr. Antônio Ferreira do Amaral.A apresentação oficial do curso foi feita pelo Conde de Affonso Celso, em conferência realizada no salão nobre da Companhia A Equitativa.
O Dr. Ferreira do Amaral inaugurou as aulas em 20 de outubro de 1914, ficando combinado a serem as demais lições ministradas no Hospital Central do Exército, cujas enfermarias foram franqueadas à CVB. Em seu discurso inaugural, declarou que “convidado pelo Sr. General Presidente da CVB para substituir o eminente professor Dr. Hilário de Gouvêa no cargo de professor das senhoras associadas à CVB, foi com grande constrangimento que o aceitei, não só por me ser absolutamente impossível ombrear com um vulto de tamanho talento e saber, como pelo pesado encargo em si, de certo muito superior às minhas forças.
Cumpre notar, porém, que, fazendo-o, não me animou sentimento subalterno qualquer e cedi apenas ao desejo de ver prosperar em nossa pátria a humanitária e utilíssima instituição que em outros países vem prestando de longa data inestimável serviço aos que entre a vida e a morte, derramaram seu sangue na patriótica defesa de seu sagrado solo ou ainda no caso, não mesmo para lastimar-se, de uma calamidade pública, a quantos se vejam pela mesma flagelados.
A necessidade de tal instituição, diz a história, evidenciou-se logo depois da Campanha da Itália, em meados do século passado, quando se verificou quanto de insuficiente ia no serviço de socorros aos feridos e doentes de então.
O sentimento que inspirou a Conferência de Genebra e a assinatura de uma convenção internacional foi o mesmo que fez se criarem as sociedades de socorros aos feridos militares. Iniciativas isoladas se teriam feito quer na Europa, quer na América.
Em 1854 uma senhora de alta aristocracia, grã duquesa da Rússia, cujo altruísmo deve ser lembrado, enviou à sua custa a Sebastopol, damas hospitaleiras que ela denominou “Damas da Exaltação da Cruz”, ordem única no mundo que prestava serviços indistintamente a católicos, protestantes e ortodoxos. Estas senhoras não faziam só o papel das religiosas, prestavam cuidados aos feridos organizando e promovendo ao mesmo tempo os socorros, como o fez um ano depois no exército inglês uma senhora eminente, miss Nightingale, nome bem popular na Inglaterra pela sua benemerência.
Em 1861 e 1862, o pastor Henry Below, da igreja unitária de Nova York, empreendia também e levava a efeito a fundação de uma sociedade destinada igualmente a esses socorros, a qual em muito pouco tempo se tornou a celebre Comissão Sanitária dos Estados Unidos.
Entre nós, aí está a iniciativa eficacíssima das nossas beneméritas patrícias de imorredoura lembrança que foram D. Anna Nery, Bárbara de Alvarenga e outras, cuja vida nos campos do Paraguai, assistindo os enfermos, enxugando lágrimas e mitigando dores, é uma odisseia que nos orgulha.
A exemplo da América, a cruzada humanitária em tão boa hora empreendida por Dunant, promotor da Convenção de Genebra, não demorou a induzir muitos países à criação de sociedades congêneres.
Na Prússia, os cavaleiros de São João de Jerusalém imitavam-no com a criação de pequenos hospitais e ambulâncias, durante o cerco de Dupel. Só em 1866 julgou então a França de utilidade pública estas sociedades de assistência e lá prosperam hoje a “Sociedade Francesa de Socorros aos Feridos”, a “União das Senhoras da França” e a “Associação das Senhoras Francesas”.
Tem escusa dizer dos serviços que estas sociedades estão aí prestando, indo o seu papel além de simples assistência médica direta, por isso que consiste também em promover subscrições e reunir donativos, criando-se desse modo depósitos de abastecimento para fornecer aos hospitais e ambulâncias, quando se fizer mister.
Ainda agora, poucos dias antes de rebentar na Europa o estrondo da formidável catástrofe que todos nós dolorosamente conhecemos, porque o seu eco foi universal, não se fez esperar a mulher francesa e, saindo a campo, por meio de bandos precatórios, conseguia em favor dessas instituições a considerável soma de mais de cem mil francos.
Da exposição sucinta que vimos de fazer, da história simples da vida de tão caridosas associações e instituições beneméritas por mais de um título, facilmente se conclui pelo que de importância, como seu fator hoje quase que decisivo, tem representado e representa nos seus destinos a mulher, cuja iniciativa nos movimentos bons não será lícito negar mesmo porque nesta solicitude magnânima, nesta dedicação sem limites, neste carinho e desvelo tocantes para com as dores alheias, nesta piedade, enfim, reside precisamente a sua força!
Não será, pois, entre nós, no meio das nossas gentis patrícias de coração, caráter e espírito tão bem formados, que deixe de florescer, por falta desses estímulos em que a bandeira é rica, como a que mais o for. Da mimosa planta odorante alimentada na sua própria essência, - a caridade cívica, se assim podemos expressar, ela há de prosperar.
O que se lhe nota não é bem uma consequência de sua inadaptação, mas um ressentimento ou mesmo desfalecimento natural das culturas que se fizeram por transplantações, quando em começo.
Dentro em breve acudirá em seu auxílio a mulher brasileira, suprindo, com redobrado zelo, o que até aqui não lhe tem dado talvez, por motivo estranho à sua vontade, e incrementando a iniciativa existente leve-a diante, fazendo prosperar a humanitária e benemérita para o futuro, CRUZ VERMELHA BRASILEIRA, à sombra de sua infatigável dedicação, zelo e carinho.
O seu prestígio por si só afastaria qualquer dificuldade, quando outros não fossem os interesses a ajuda-las nesta sublime missão, que lhes é própria, de sentir pelos pobres e doentes que sofrem. Que a exemplo das sociedades francesas promova-se também no Brasil, por meio de bandos precatórios, o desenvolvimento eficaz da sua tarefa e fortaleça-se assim a grandiosa instituição.
As mulheres brasileiras, gentilíssimas patrícias, pois, o nosso apelo, como brasileiro, médico, militar, para que protejam a instituição além do mais patriótico, de que são beneméritas patronas e eu, mesmo a dirigindo, um modestíssimo servidor.
E aí tendes a razão que me leva o aceitar o duro cargo que me foi magnanimamente cometido de diretor do curso das Senhoras da CRUZ VERMELHA BRASILEIRA

General Dr. Antônio Ferreira do Amaral
O então Cel. Dr. Ferreira do Amaral inaugurou as aulas do curso de Enfermeiras Voluntárias em 20 de outubro de 1914, no Salão Nobre da Companhia de Seguros A Equitativa.
Ferreira do Amaral foi Conselheiro, vice-Presidente e Presidente da CVB de 1922 a 1929.
1º Programa do curso
Organizado o programa de ensino e designados os professores, começou a funcionar em 20 de outubro de 1914, sendo as aulas teóricas ministradas no salão nobre da Equitativa.
PROGRAMA DO CURSO DE ENFERMEIRAS VOLUNTÁRIAS
1ª PARTE
I – Considerações gerais sobre a ação da Cruz Vermelha e das enfermeiras voluntárias. Noções sobre higiene individual e coletiva.
II – Noções gerais de anatomia e fisiologia humana.
III – Termometria, pulso e respiração; estudo prático.
IV – Material cirúrgico, instrumentos de uso na prática médico-cirúrgica. Casos cirúrgicos mais comuns.
V – Assepsia e antissepsia. Anestesia, seus diferentes processos.
VI – Curativos, pensos e aparelhos em geral. Sala de operações, suas condições.
2ª PARTE
I – Obrigações gerais das Damas da CRUZ VERMELHA em relação aos médicos e aos enfermos. Hospitais e enfermarias. Moléstias mais comuns.
II – Injeções hipodérmicas, intramusculares, endovenosas e outras. Balneoterapia e massagem.
III – Execução das prescrições médicas em geral; meios de verificação.
IV – Deveres das enfermeiras antes, durante e depois da operação. Operações fora do hospital.
V – Organização e funcionamento da CRUZ VERMELHA em campanha. Hospitais de sangue. Convenções de Genebra.
Nota: Mensalmente serão feitas visitas ao Hospital Central do Exército e outras instituições sanitárias civis e militares.
Primeiras Diplomadas
Encerraram-se as aulas do ano de 1914 e foram diplomadas as seguintes enfermeiras: Condessa de Souza Dantas, Miranda Jordão, Luzia de Mattos Bandeira, Henriqueta Capanema, Idália de Araújo Porto Alegre, Rosa Lage Braga, Helena Souza Lage, Maria Eugênia Celso, Maria Bonjean, Maria Luiza A. Neves, Carneiro da Rocha, Judith Jitahy Alencastro, Heloisa Loureiro Leal, Annie Illot, Katie Uslannder, Helena Lima e Silva, Ruth Heintz e Castro Silva.

No ano seguinte, as aulas teóricas passaram a ser ministradas no salão da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (na Praça XV de Novembro). Houve também aulas práticas no Hospital Central do Exército, na Policlínica Militar e na Santa Casa de Misericórdia, local em que o renomado cirurgião Dr. Daniel de Almeida franqueou o seu bem aparelhado serviço de cirurgia geral, na 24ª enfermaria do Hospital da Misericórdia.
Destas dedicadas senhoras diplomadas partiu a feliz iniciativa de ampliar o curso, de modo que nele pudessem formar profissionais habilitadas. Tão louvável ideia determinou, por parte da Sociedade da CVB, a criação da Escola Prática de Enfermeiras, cujo objetivo era ministras as pessoas do sexo feminino a instrução teórico-prática indispensável à profissão de enfermeira, tendo sido a Escola a primeira no gênero fundada entre nós.
A sua inauguração oficial foi no dia 20 de março de 1916, quando pelo respectivo Diretor e Professor, Dr. Getúlio dos Santos, foi proferida a seguinte lição:

Lição Inaugural
Se o objetivo do curso hoje inaugurado, sob os auspícios da CRUZ VERMELHA BRASILEIRA, e que visa o preparo científico das pessoas do sexo feminino que quiserem se dedicar à missão de “enfermeira”, é uma coisa nova para nós, em outros países já se acha no rol dos fatos consumados e representa uma instituição de mais úteis e acatadas.
Sem falarmos da Inglaterra e dos Estados Unidos da América do Norte, onde ser enfermeira é um título assas honroso e tão procurado senão mais do que o de professora pública, pela maior remuneração e melhor conforto dispensados àquela classe de profissionais, mesmo em mais benéficos resultados – a Escola de Enfermeiras de Buenos Aires, fundada em 1885, a de Cuba, em 1906, e a do Chile em 1902, todas elas incorporadas à direção oficial dos governos desses países.
Atendendo à necessidade de fundação, nos demais países sul-americanos, de escolas desse gênero, no 2º Congresso Médico Latino-Americano, de 1904, por proposta de um ilustre médico chileno, prof. Dra. Amaral, foi aprovada a seguinte proposta:
-
Aconselha-se aos governos das nações latino-americanas a criação de Escolas de Enfermeiras.
Em outro Congresso Médico Latino-Americano, reunido em Montevideo, em 1907, a diretora da Escola de Enfermeiras de Buenos Aires apresentou e foi aprovada unanimemente a seguinte moção:
-
Os médicos dos países latino-americanos trabalharão em seus respectivos países para levarem a efeito o estabelecimento da escola de enfermeiras, tomando como modelos as da Inglaterra e dos Estados Unidos.
Vê-se por aí que essa questão de instruir os indivíduos encarregados de cuidar dos enfermos vem sendo suscitada a todo o momento e reclamada nos meios científicos, e se ainda não teve incremento entre nós, nem por isso nos devemos lastimar ou esmorecer, sabido como é o desenvolvimento vertiginoso e surpreendente dos mais complexos problemas nos países novos em cujo número nos achamos.
De propaganda, sobretudo, e de tenacidade e coragem para vencer o indiferentismo e a ação dissolvente de nosso meio, é que necessitamos para o progresso da instituição hoje instalada, e de cujo ponto de vista surgirá indubitavelmente uma realidade preciosa.
Começaremos pela educação da mulher para esse mister, como, de resto, se faz nos demais países, onde o homem nessa profissão está quase completamente excluído, sendo os seus serviços apenas utilizados nos manicômios para enfermos do sexo masculino.
A assistência aos que sofrem foi sempre e nem todos os tempos uma das mais nobres prerrogativas da mulher, é a sua vocação natural e a única compatível com a abnegação, o zelo e a fidelidade das representantes do sexo fraco.
Não havendo aqui ainda enfermeiras diplomadas, são esses lograres, entretanto, exercidos na sua maioria por homens, cuja atividade para outros misteres é desse modo anulada. Por falta, de outro lado, de uma organização oficial dessa profissão, dando-lhe certa vantagem material e elevando-a no conceito público, verifica-se o retraimento do elemento feminino para esse serviço, elemento que seria constituído de boa gente e cuja fluência é fácil de se prever pela pletora de candidatas aos cargos de professorado primário e outros, onde já se admite o concurso de senhoras.
Com os progressos que for alcançando a humanitária Sociedade da CVB, melhor será executado o ensino da Escola de Enfermeiras desta Sociedade, o qual será mais harmônico, mais prático e objetivo na sua aplicação direta em consultórios gratuitos e, quiçá, mesmo nas enfermarias e hospitais da Cruz Vermelha.
Precisamos formar enfermeiras dignas deste título, instruídas e idôneas, livres da audácia e pretensão dos incompetentes que, não raramente, agravam os males, retardam a cura ou concorrem para os desfechos fatais, por intervenções intempestivas e contra indicadas.
Isso se conseguirá com o auxílio amplo e sincero dos públicos e das autoridades, todos dando mão forte a esse elevado propósito de instruir e educar a classe de enfermeiras.
Vencidos a rotina maléfica e os obstáculos do desânimo, lucrarão tanto o público como os estabelecimentos com a aquisição de um competente corpo de enfermeiras, as quais em nossos serviços clínicos são presentemente representadas por antigas serventes ou enfermas inválidas, inservíveis para qualquer outro trabalho, sem nenhuma noção científica de higiene, primeiros auxílios, etc.
Na Inglaterra cada hospital tem anexa uma escola de enfermeiras (e às vezes uma escola médica) e é dessas escolas-modelos que saem as diretoras dos inúmeros hospitais daquele país, onde o diretor médico só se incumbe do serviço clínico exclusivamente.
Os Estados Unidos possuem 1.200 escolas oficiais de enfermeiras; as enfermeiras desses dois países encontram em cada hospital um segundo lar (Nurse’s home); além de dormitórios, refeitórios, bibliotecas, etc, instalados confortavelmente e até com certo luxo, as horas de plantão diurno nunca são superiores a 4 e 5 horas seguidas, as refeições se fazem em horas fixas, há suficiente tempo para repouso e exercícios físicos, além da permissão de saída duas ou três vezes por semana.
Elas são bem compensadas dos sacrifícios que fazem e a que se expõem; têm a estima e o respeito do pessoal médico e do público, cujas portas se lhes abrem em momentos de aflição e dor.
Por isso, nessas nações a profissão de enfermeira é considerada social e economicamente superior à da professora pública, e na Inglaterra esse título chegou a ser mundano e a fazer época, a ponto de se ver frequentando os respectivos cursos senhoras de mais alta sociedade britânica, artistas de valor e escritores notáveis. Depois da moda veio o costume prático e proveitoso de grande parte da população acompanhar e seguir o “curso de primeiros auxílios em caso de acidentes” para aumentar o seu contingente de conhecimentos de economia doméstica. Igual curso é também ministrado pela Assistência Pública de Buenos Aires, ao público em geral, durante os meses de inverno, sendo conferido aos que o terminam com aproveitamento um diploma e uma medalha distintiva.
A seleção das candidatas à matrícula nas Escolas de Enfermeiras é feita com o maior escrúpulo, dada à enorme concorrência de matriculadas; alguns regulamentos consignam um estágio ou permanência de três meses na Escola, a fim de verificar se não faltam à candidata as aptidões exigidas, havendo até casos de recusa por uma voz pouco “suave” ou a expressão fisionômica menos simpática de pretendente...
As alunas do curso que hoje se instala não se destinam, por certo, aos serviços dos nossos hospitais, os quais ainda não podem exigir melhor gente, especialmente pela falta de conforto até agora dispensado a essa classe de cooperadores dos trabalhos clínicos; entretanto, na assistência privada, em contato com as famílias, as nossas futuras enfermeiras diplomadas encontrarão as comodidades de que gozam em seu lar, com o respeito que a sua instrução deve impor e o tratamento que a sua educação merecer.
Nas lições que iremos ter o prazer de desenvolver, de acordo com o nosso programa e em companhia de ilustres colegas, também professores deste curso, Drs. Estellita Lins e Sousa Ferreira, teremos uma única preocupação: a de nos fazermos compreender, dando da maneira mais adequada e mais ao alcance das alunas a noção prática do que formos enunciando. E essa é a norma adotada em todas as escolas desse gênero e recomendada pelos mais competentes autores na matéria, como a Dra. Cecília Griersen, fundadora da Escola de Enfermeiras de Buenos Aires, que assim se exprime sobre tal ensino: “Nada de discursos em que se ponha em prova a oratória do conferencista; nada de aprofundar a ciência nem de dar cursos que são mais para médicos e parteiras do que para enfermeiras.”
Evitar, diz ainda aquela distinta médica, as lições abstratas, apresentar a imagem do objeto quando não se tiver em mão o original, dizer à enfermeira não somente o que ela terá de fazer, mas especialmente o que não deverá fazer, que muitíssimas vezes é mais importante ainda para a vida do enfermo.
Nessas condições, dentro do assunto da nossa primeira lição, que é como o introito da profissão de enfermeira, vamos dizer alguma coisa das aptidões físicas, intelectuais e morais necessárias aos que se dedicam à elevada missão de prestar auxílio aos enfermos.
Fisicamente a enfermeira deve ser forte e suficientemente robusta, a fim de poder, sem prejuízo para a saúde, suportar trabalhos às vezes fatigantes, como vigílias prolongadas à cabeceira dos doentes.
Além disso, uma enfermeira que não gozasse boa saúde teria muitas vezes o dissabor de não se ver recomendada nem ser aceita pelo público para prestar os serviços de sua profissão.
Por isso mesmo, as pessoas que exercem essa profissão têm necessidade de se preocupar, com o máximo cuidado, pela conservação de sua saúde, empregando os meios higiênicos ao seu alcance e que lhes forem ensinados no sentido de não contraírem as enfermidades do meio em que trabalham.
Quanto ao lado intelectual, da enfermeira se deve exigir o suficiente para que ela compreenda e aprenda os ensinamentos que lhe forem ministrados, a fim de que possa aplicar inteligentemente o que for determinado pelo médico para o tratamento e cura do enfermo; tanto mais quanto, com boa vontade e interesse sincero de aprender, a faculdade intelectual que todo o ser humano possui se desenvolve indiscutivelmente.
Entre as qualidades morais indispensáveis à enfermeira, podemos citar como primordiais as seguintes: calma, precisão, atenção, espírito de observação, regularidade, rapidez na execução, paciência, autoridade, atitude reservada e afetuosa, silêncio e cumprimento do dever profissional, entre outras de que falaremos mais adiante.
Uma perfeita enfermeira digna desse qualificativo, limitar-se-á a aprender com segurança os ensinamentos teórico-práticos que lhe forem dados para ser uma auxiliar competente do médico, sem jamais pretender jactar-se de atribuições que se acham fora de sua alçada e do seu papel.
Os que assim não compreenderem a sua investidura, imodestos e pretenciosos, são muitas vezes transformados nessas prejudiciais entidades pelos programas dos próprios cursos, que por demais “superiormente” científicos diplomam médicos medíocres ou frações de médico, como geralmente são cognominados pelos autores.
Precisamos convir, entretanto, que o fim da enfermeira não é essencialmente técnico, como muito acertadamente diz a Dra. Hamilton de Bordeaux: “Ela tem um papel moral junto ao enfermo tão elevado que o seu ideal não deve limitar somente a ser um auxiliar capaz do médico; é, sobretudo, para o doente que ela existe, é ele que deve ser a sua constante preocupação.”
Ela é a confidente natural do enfermo, é a sua protetora nos menores detalhes de seu sofrimento, a companheira carinhosa nas longas horas de vigília e o balsamo consolador das suas dores físicas e morais.
O médico e a enfermeira são, pode-se dizer, igualmente necessários para a cura do doente; mas, se o primeiro compete o diagnóstico e a escolha do tratamento, ao segundo cumpre exclusivamente a aplicação desse tratamento, sem outro qualquer comentário, senão aquele de referir as suas observações exatas sobre a marcha da moléstia e o estado do enfermo com a relação dos detalhes ditados por sua competência.
Participa em certa escala da responsabilidade que cabe ao médico pela vida do doente, assim como gaza da mesma satisfação e é credora de igual reconhecimento pela cura e salvação dos que se acham sob sua guarda.
Para ser enfermeira, além de tudo, é preciso possuir alguma vocação e muito devotamento, porquanto sem esses dois predicados essenciais, no ambiente de dores e de desespero, pouca será a resistência para vencer as repulsas dos primeiros contatos dessa luta incessante entre a vida e a morte. Entretanto, vocação para tratar de enfermos e devotamento são qualidades nautas na mulher: ela tem apenas necessidade de habituar-se a “ver o sangue”, frequentando as salas de operações e de familiarizar-se com as enfermeiras, os hospitais e as suas misérias, a fim de perder essa “expressão de nojo” que se desenha na fisionomia dos estranhos ao meio hospitalar e que tão má impressão causa aos que sofrem.
Torna-se dispensável a referência ao “asseio” e à honestidade que se exige de toda candidata ao cargo de enfermeira, porque são duas qualidades fundamentais e imprescindíveis, sendo a ausência de qualquer delas incompatíveis com as funções dessa carreira.
Finalmente são mandamentos que devem fazer parte da cartilha de toda boa enfermeira, isto é, daquela que quiser inspirar confiança, essa confiança que é o primeiro alívio que se pode dar aos que sofrem, na frase do professor Hartmann, as seguintes excelentes qualidades:
1º - Ter um bom temperamento, isto é, esforçar-se por ter o mesmo humor, a mesma paciência e muita calma;
2º - Ser amável e delicada, zelosa, corajosa e disposta a suportar sacrifícios e dissabores, por vezes inevitáveis na presença de enfermos, cujos caracteres são tão bizarros.
3º - Junto dos enfermos não mostrar indiferença na expressão da fisionomia; eles são impressionáveis e sabem ler nos olhos dos que os tratam tudo o que lhes diz respeito;
4º - De mão leve e firme, ter o caráter decisivo, ser obediente, respeitosa e pontual;
5º - Nunca se dirigir ao enfermo como chefe ou superior e sim como guia amigo e bondoso; uma palavra amável, um sorriso, evitam às vezes a cólera ou a evolução de violências;
6º - Evitar qualquer excesso de intimidade ou familiaridade com os enfermos, ser uma servidora com autoridade e afeto;
7º - Não ser apressada nem vagarosa ou desajeitada, mais qualidades que dão ao enfermo uma impressão dolorosa;
8º - Falar sempre a verdade para merecer a confiança de todos;
9º - Não falar demais, não tratar de sua saúde com os enfermos e respeitar os companheiros de trabalho;
10º - Mostrar sempre satisfação em prestar qualquer serviço aos enfermos, atender com indulgência às reclamações, tendo em consideração que, segundo as palavras de Shakespeare: “Deixamos de ser nós mesmos, quando a dor física nos domina.”
São as enfermeiras dotadas de todos esses admiráveis predicados que, na expressão da Dra. Hamilton “transforam a atmosfera hospitalar; graças a ela, o hospital deixará de ser um lugar de pavor, um socorro que faz horror e para onde os humildes da terra só se deixam levar pelo excesso de dor.”
A disciplina é a base essencial de todo o trabalho, nos hospitais ela se estende do Diretor ao servente e se faz mister no próprio interesse dos enfermos.
A obediência e o respeito aos superiores e às ordens deles emanadas dão às enfermeiras uma confirmação valiosa de que estão na altura de exercer essa missão. A disciplina da enfermeira não deve ser o temos das penas regulamentares, mas a convicção do cumprimento do dever.
Já temos mostrado mais ou menos qual é o dever da enfermeira, o papel que lhe assiste no exercício da sua profissão, empregando os meios de tratamento, tal qual lhe foi indicado pelo médico, cujo esforço tantas vezes será nulo, se as suas ordens não forem inteligentemente executadas.
Se os conhecimentos técnicos, como temos dito, são indispensáveis à enfermeira, as qualidades morais que acima citamos não o são menos.
Auxiliar prestimosa do clínico, a enfermeira precisa também educar e apurar o seu espírito de observação, a fim de não deixar passar as menores alterações, os mais insignificantes detalhes na maior parte das vezes de tão importante valor para a orientação do tratamento.
A enfermeira pretenciosa, comentando as ordens do médico e julgando-se na altura de muito entendida, torna-se ridícula, terá o desprezo dos companheiros de serviço, anulará qualquer prestígio que tenha e não mais merecerá a confiança da gente sensata.
Quando em serviço na assistência particular, a enfermeira terá necessidade de dispor de um delicado trato (savoir faire, dos franceses) e muita discrição nas relações com a família do enfermo; ali é que se faz mister a excepcional qualidade de silenciosa, a fim de ouvir mais do que falar, e nas conversas evitar sempre os comentários sobre o tratamento instituído, o diagnóstico estabelecido, etc. Há muita coisa em que a enfermeira empregar o seu tempo junto ao enfermo; em alguns casos até lerá novelas, notícias de jornais, poesias, etc, fazendo assim mais rápida as horas de permanência do enfermo no seu leito de dor e sem se comprometer absolutamente perante o médico ou a família.
O segredo profissional, a que já nos referimos, é uma obrigação da enfermeira, como o é do médico; seria trair o doente ou a sua família a revelação desse segredo, cuja guarda representa um dever moral e a divulgação um crime previsto pelo código penal.
Quase sempre a sua mais íntima confidente, por isso mesmo a enfermeira não se fará jamais cerimoniosa para com o enfermo, o qual, se assim não fosse, ficaria também constrangido e não lhe falaria com a franqueza que o seu estado exige para um mais acertado tratamento.
Cada hospital tem o seu regulamento, onde se acham determinados os diferentes horários de refeições, visita do público, etc, convindo à enfermeira estar ao corrente de todos os seus dispositivos, a fim de fielmente executá-los.
A enfermeira acompanhará sempre o médico durante a visita que este fizer aos enfermos das respectivas enfermarias e nas casas particulares estará também presente nesse momento; ouvirá silenciosa o interrogatório feito aos doentes e não falará senão quando a sua interferência for reclamada, tomando, outrossim, as notas necessárias para a execução do tratamento aconselhado.
Devendo a instrução da enfermeira ser completada com a aquisição de algumas noções de “economia doméstica”, o nosso programa encerrará este ponto que será ministrado pelas Damas da Cruz Vermelha, entre as que tiverem concluído o curso de enfermeiras voluntárias.
O curso da nossa Escola se inicia modestamente; isto é uma razão para termos fé em seu progresso e na sua vida. Iremos tomando alento no apoio do público e com a serenidade de nossos esforços.
Venceremos e teremos desse modo concorrido para os primeiros passos da organização, entre nós, dessa classe de devotadas e instruídas auxiliares dos médicos – as enfermeiras – as quais, na frase cintilante do Prof. Hartmanu, de Paris, “com paciência, doçura e calma, e com o sorriso, forma suave da alegria comunicativa, exercerão as mais elevas ações criativas.”

As senhoras que faziam parte do Curso de Enfermeiras Voluntárias continuaram, em sua maioria, a frequentar as aulas, servindo, além disso, de auxiliares do ensino prático. Era também facultada a frequência do curso, independente de qualquer formalidade, a qualquer senhora, sócia da Cruz Vermelha Brasileira, podendo mesmo requerer exame no fim do ano letivo, caso tivesse desejo de habilitar-se para a obtenção do diploma de enfermeira.
A primeira turma de enfermeiras profissionais recebeu os diplomas solenemente no dia 3 de maio de 1917, por ocasião da inauguração oficial da sede provisória da Sociedade, à rua Prefeito Barata, nº 75 [Hoje Ubaldino do Aramal]. Serviu de padroeira do edifício inaugurado, como era de praxe em atos semelhantes, a Sra. D. Hermínia Ottoni, esposa do sócio fundador Dr. Julio Ottoni.

Diplomadas
Receberam os seus respectivos diplomas, braçais e título de identidade as seguintes senhoras: Maria Magalhães Ducasble, Dina de Oliveira Monteiro, Maria Magarão Rollemberg da Cruz, Alzira Girardot, Eva Endem, Penelope Olga Rivelli, Jandyra Condeixa de Azevedo, Irani Baggi de Araújo, sendo paraninfo da turma o Dr. Estellita Lins e a Oradora a senhorita Irany Baggi de Araújo.

Em 1917 as aulas foram abertas solenemente no dia 1º de março. Elas continuaram a ser dadas na sede da Sociedade de Geografia, (todos os dias, exceto às quartas, sábados e domingos) até o dia 3 de maio, em que a Escola foi transferida para a sede provisória da Cruz Vermelha, construída no terreno cedido pelo Governo.
Em sua nova sede, a CVB ofereceu um novo curso: Socorros de Urgência, em vista da atitude que o Brasil acabava de tomar em face da guerra europeia.

O curso profissional passou a ser feito em dois anos. Os estatutos foram modificados e o programa foi ampliado.
Novo programa:




Depois da inauguração do pavilhão que passou a servir de sede provisória da Sociedade, as alunas começaram a praticar no dispensário Médico cirúrgico que ali funcionava.
O curso de Enfermeiras Voluntárias, que continuava a ser de um ano letivo, funcionou também com toda a regularidade.


"Batismo de Sangue" das Enfermeiras: Epidemia de gripe, 1918.
Passado o período da epidemia, a turma de 1918 teve o seu “batismo de sangue” com os trabalhos que a maioria das alunas teve de suportar naqueles dias tétricos de grande calamidade.
Serviço da Cruz Vermelha durante a epidemia da gripe de 1918
Para maior clareza da exposição desses serviços, abaixo transcrevemos o relatório do Dr. Getúlio dos Santos, Diretor do Serviço Clínico.
Ao irromper a epidemia de gripe nesta cidade [Rio de Janeiro], em meados do mês de outubro próximo findo, propus ao Sr. Marechal Presidente [ da Cruz Vermelha Brasileira, Thaumatugo de Azevedo] a instalação de enfermarias na sede da nossa Escola de Enfermeiras, atendendo à extensão do mal e à falta quase absoluta de postos de socorros públicos, além da Santa Casa de Misericórdia.
Aceita imediatamente a proposta referida e mais ainda a da distribuição gratuita de medicamentos para combater o mal epidêmico, no dia 15 daquele mês eram colocados os primeiros leitos no barracão anexo ao edifício da Escola e entrava na tarde do dia o primeiro doente, que foi o indivíduo de nome Pedro Cardoso de Azevedo.
Esta resolução foi levada ao conhecimento dos senhores Diretores da Saúde Pública, Diretor de Higiene e Assistência Social Municipal e Diretor Geral de Saúde de Guerra, tendo sido suspensa temporariamente o serviço de curativos, o qual passou a ser feito na Policlínica Militar, de acordo com o seu Diretor, só se restabelecendo tal serviço em nosso dispensário a 19 do mês de novembro.
Desse modo a sala de aulas, o consultório de homens, o quarto dos operados, o hal de costuras e o barracão estavam ocupados por leitos, onde se viam homens, mulheres, crianças. O Consultório das mulheres foi transformado em rouparia dos enfermos e a sala de espera anexa em depósito de mortos, ficando no laboratório instalado o serviço de copa.
Leitos para o repouso das enfermarias havia no vestiário das alunas e no atual depósito de roupas: o refeitório instalou-se na portaria.
Os serviços e os trabalhos desempenhados por quantos estiveram nesta casa durante aquele tempo são dignos das melhores referências.
Em relação às enfermeiras, não foi surpresa para nós o seu esforço, a sua inteligência e a dedicação que todas revelaram no exercício das suas funções, desobrigadas com o maior heroísmo.
Em todo o decurso da epidemia não nos faltou absolutamente o seu concurso; tivemos na fase mais aguda da epidemia o auxílio prestimosíssimo das que não tinham adoecido ou não haviam sido escaladas anteriormente para serviços a domicílio, e o que foi esse momento de imenso pânico popular só o podem dizer aqueles que o presenciaram, tão macabras eram as cenas desenroladas.
Estavam as portas fechadas como em uma fortaleza sitiada; do lado de dentro com a agitação do trabalho comum misturavam-se longos gemidos de enfermos graves ou impacientes e do lado de fora uma avalanche de gente apavorada procurava a CRUZ VERMELHA para consultar-se, receber medicamentos ou internar-se nas nossas salas. De vez em quando ouvia-se, da multidão, um grito de desespero e vozes alarmadas repetiam – “é um doente que está morrendo”. Transportado para o interior, o moribundo não passava muitas vezes de um semiasfixiado no atropelo da aglomeração.
Entretanto, havia nessa multidão quem parecia agonizar; eram as criancinhas em convulsões nos braços dos pais aflitos, as quais, no entanto, submetidas ao tratamento balneoterápico imediato, horas depois podiam retirar-se bastante melhoradas.
Este trabalho trágico, a portas cerradas, para evitar a invasão de uma onde de gente aterrorizada, na confusão de gritos dos que se impacientavam em esperar a sua vez de consultar-se e dos gemidos daqueles que se estendiam nos leitos, durou precisamente um septenário.
Tudo nesse tempo era sombrio, os boatos sobre a natureza do mal traziam suspenso o espírito público, as opiniões sobre o tratamento variavam, as mortes se sucediam e cadáveres aos montes permaneciam insepultos!
E para cúmulo das dificuldades a vencer nesta casa, os seus empregados haviam adoecido nos primeiros dias de irrupção do mal.
Em compensação, pessoas abnegadas e desinteressadas vinham, oferecendo os seus préstimos, que eram logo aceitos, tal a soma de trabalhos a executar, dos mais rústicos aos mais delicados.
O serviço de consultas e distribuição de medicamentos foi ininterrupto, isto é, dia e noite eram atendidas sem cessar as pessoas que procuravam esta sociedade em busca de socorro.
A quantos consultávamos ou dávamos medicamentos, exigíamos o nome e residência, não somente para termos segura a responsabilidade em face de qualquer eventualidade, como também para a nossa estatística, a qual, contudo, está ainda aquém da verdadeira, pois no atropelo natural daqueles dias, é possível que muito registro de doentes externos não se tenha feito.
Pelo que foi apurado nas relações que temos em nosso poder, verifica-se que foram distribuídos medicamentos a 4.084 pessoas, além do fornecimento feito a diversas corporações como a Guarda Civil, as 1ª e 3ª Delegacias Auxiliares e o Posto de Socorros de Copacabana.
Em relação aos enfermos internados, o seu número elevou-se a 105 (cento e cinco) e mais não recebemos por deficiência das nossas acomodações. Tivemos 14 mortos, o que dá uma estatística de óbitos lisonjeira, como de resto o foi nos demais hospitais, e tendo-se em conta que os mortos foram, em geral, enfermos que entravam em estado gravíssimo e com muitos dias de moléstia, sem nenhuma assistência.
As formas clínicas dos nossos internados variavam, tivemos a hipertermia, a reumática, a nervosa, a traqueobrônquica e a hemorrágica.
O tratamento, tornado mais ou menos clássico, contava de purgativo inicial, quinimo e aspirina e outros analgésicos e antipiréticos, benzoato de sódio, acetato de amônio, além do trivial antifeccioso.
Os enfermos davam entrada em nosso serviço diretamente, quando o seu estado grave assim o exigia ou por meio de guias passadas pelas autoridades públicas (assistência municipal) cujo número elevou-se a 56.
Dos doentes, tivemos alguns de conhecida categoria social, como o Dr. Zadir Indio, redator do Rio Jornal, que, chegando em estado bastante grave, veio a falecer três dias depois de intoxicação urêmica.
Na difícil emergência por que passamos, foi-nos muito reconfortante o oferecimento espontâneo de várias pessoas, algumas não fazendo parte desta Sociedade, que desejavam auxiliar os serviços de socorros por nós instalados, sendo digno de registro, entre outros, os nomes dos Srs. Octavio Valobra, Custódio Pinto, Euclydes Ferreira, Custódio Pedroso, Romeu Borelli, Américo Barreira, doutorando Lorival Padrenosso, acadêmico José Edgard Estelitta Lins e Elias Pereira Costa Neto.
Senhoras Marcia F. Fernades Lima, Clemencia Ribeiro, Fragosina Solos Ribeiro, Maria Augusta Ruy Barbosa Ayrosa, Alba Olívia, Maria Bittencourt Mendes.
Para atender ao pedido insistente do Governo, que reclamava o nosso concurso com o envio de enfermeiras com o envio de enfermeiras para os postos de socorros ulteriormente criados, sem sacrificar o nosso serviço para os hospitais da Escola Deodoro e da Escola Nilo Peçanha e mais outras duas para o posto da Pró Matre.
De infecção gripal faleceu a aluna-enfermeira Cherubina Angélica Guimarães, que, nos primeiros dias da epidemia, auxiliou os nossos trabalhos.
Junto a esta exposição vai o mapa registro dos doentes que estiveram internados em nossas salas, com a descriminação necessária, sendo os marcados com uma cruz de tinha vermelha enviados por intermédio da Assistência Pública.
Convém lembrar mais uma vez, aqui, que precisamos melhorar a nossa instalação, de todo insuficiente para uma emergência como que agora nos surpreendeu. O número de enfermos que acolhemos foi insignificante em relação à enorme cifra dos que necessitavam hospitalização e em relação também aos que foram recolhidos nos postos de socorros ulteriormente improvisados pelo Governo nas Escolas Públicas; além disto não havendo uma organização interna já estabelecida, foi com algum atropelo que se fez o serviço de administração, sendo tudo provisório e arranjado à ultima hora.
Entretanto, é bom salientar que nenhum acidente desagradável teve lugar durante esse tempo, ficando o espírito público inteiramente convencido da utilidade da CRUZ VERMELHA BRASILIERA.
Tendo sido também acometido pelo mal epidêmico e por determinação médica obrigado a recolher-me ao leito, fui substituído na direção técnica do nosso posto de socorros pelo ilustre colega e amigo Dr. Estellita Lins, que se desobrigou brilhantemente, como era de esperar do seu grande talento, da árdua tarefa que lhe foi confiada.
O Sr. Dr. Amaury de Medeiro também não deixou de prestar os seus serviços a esta Sociedade, sempre que os trabalhos oficiais ou a sua saúde o permitiram.
São estes dois distintos colegas dignos dos maiores encômios da parte desta diretoria.
O nosso colega, médico e professor da Escola de Enfermagem, dr. Carlos Eugênio, não pôde por motivo de força maior, tal como o cargo que exerce – de assistente do Diretor Geral de Saúde da Guerra – trazer os seus preciosos préstimos até nós, pois os serviços que lhe foram cometidos eram quase ininterruptos.
Antes de terminar esta síntese dos trabalhos de nosso serviço, transcrevo aqui os nomes das enfermeiras e alunas enfermeiras que mais se distinguiram nos esforços dispendidos durante aquela época, sem outro interesse senão a confirmação de benemerência da CRUZ VERMELHA BRASILEIRA.
Atendendo a tão grande dedicação e ao seu heroísmo, recomendei-as oficialmente ao Sr. Marechal Presidente, que propôs para sócias de honrosa categoria. São elas as senhoras e senhoritas Carolina Pinto, Branca de Barros, Olga Lima, Aurora Caldeira, Helena Gudin, Edith Fraenkel, Abrilina Pires, Dina Nobre, Maria Herminia, Cantiliana Cotta, Alice Snell, Sylvia Souza Leite, Maria Baujean, Idália Porto Alegre, Maria Feliciano dos Santos, Irany Baggi Araújo, Violeta Martins, Annie Berthe Lynnex, Julieta Homem de Mello, Maria Ruy Barbosa Ayrosa, Alice Barbosa, Maria Bittencourt, Hylda Lemos Bastos, Alba Olívia, Gabriella Sá Pereira, Carlota Bastos, Olga Brandão, Alice Cavalcante, Esmeraldina França, Maria Elisa Pitanga, Olga Sharp e Macaria Fernandes Lima.

Ao Sr. Marechal Thaumaturgo [Centro da foto] que, durante todo o período da epidemia acudiu a todas as necessidades que os serviços impunham, deveu em grande parte esta Diretoria a boa marcha que tiveram os trabalhos técnicos.
Carlos Chagas Filho, em seu livro Meu Pai, biografia de Carlos Chagas, apresenta semelhante panorama sobre a infecção gripal. A epidemia chegou ao Brasil pelo navio Royal Mail Britânica, que aportou no Rio de Janeiro em 21 de setembro de 1918 e alastrou-se como estopim em campo de palha seca. A doença espalhou-se rapidamente pelo interior do país e pelas cidades não servidas pelas linhas internacionais; a gripe introduziu-se por intermédio da navegação de cabotagem. As péssimas condições de saneamento e a precária assistência médica do Rio de Janeiro contribuíram para a disseminação da gripe.
Além disso, os portos do litoral não tinham condições de impedir a chegada da gripe espanhola em razão da ineficiência dos serviços sanitários marítimos. Dessa forma, o Rio de Janeiro foi violentamente invadido por essa gripe; as ruas ficaram abandonadas, as casas, fechadas, o comércio e o transporte, totalmente paralisados; faltaram comida e água; e por toda parte existiam sinais de aflição, desespero, tristeza, angústia e luto. As pessoas morriam nas ruas, nas calçadas, no trabalho e nas suas casas; faltaram coveiros e covas para enterrá-los. Além disso, não havia médicos suficientes para atender toda a população acometida, pois muitos foram contaminados e outros estavam prestando serviços aos órgãos públicos. Os que queriam ajudar encontraram dificuldades como transporte, estrutura física e ainda não sabiam como tratar essa doença.

No dia 5 de outubro de 1919, por ocasião do assentamento da pedra fundamental do edifício definitivo da CVB, teve lugar a distribuição dos braçais às enfermeiras voluntárias de 1919 e entrega dos diplomas às enfermeiras voluntárias e profissionais de 1918.
Receberam também, na mesma solenidade, braçais as enfermeiras voluntárias de 1917, senhoras e senhoritas: Helena Gudin, Maria José de Nova Friburgo, Hilda de Lemos Bastos, Sylvia de Souza Leite, Maria da Glória Oliveira Rocha, Ruth Hentsz, Judith Drumond Guimarães, Margarida de Moura Cruz, Maria Fialho de Castro e Silva.


Grupo de dedicadas enfermeiras com serviços relevantes durante a epidemia da gripe, em 1918.

Em virtude da assinatura do tratado de paz, tendo cessado o estado de guerra em que se achava o nosso país, deixou de funcionar o curso de enfermeiras voluntárias. Neste curso, desde a sua inauguração forma diplomadas 66 alunas, embora tivesse sido frequentado por 178 senhoras e senhoritas.
O ensino prático ia tomando um desenvolvimento bastante satisfatório pelos serviços cada vez mais dilatados do Dispensário. O antigo barracão, anexo ao Dispensário, devido à exigência do movimento clínico, foi adaptado convenientemente a fim de servir de enfermaria, de modo que as alunas iam se familiarizando com os doentes acamados de todas as espécies, os quais exigiam um sem número de pequenos cuidados que só a presença do próprio doente pode ensinar. Ao mesmo tempo a Cruz Vermelha Brasileira já era reclamada para fornecer enfermeiras com o fim de prestar serviços em domicílio, havendo uma fase, a da gripe de 1918, em que tais pedidos se elevaram a um número quase fantástico, pelo que todo o nosso esforço era plenamente compensado por vermos francamente aceita pela população a figura simples e consoladora da Enfermeira da Cruz Vermelha. Se hoje, isto é, passados sete anos desde o início dos cursos de enfermeiras da Cruz Vermelha Brasileira, a enfermeira já se tornou coisa banal, pelo número das que se apresentam ao público, mesmo sem diploma, nem por isso deixamos de nos sentir felizes por ter partido da Cruz Vermelha Brasileira a ideia e a prática da enfermeira diplomada, para servir como auxiliar do médico na cura dos doentes, aos quais alivia fisicamente e conforta moralmente.
A Cruz Vermelha Brasileira implantou o regime da Enfermagem diplomada no Brasil, acabando-se com os préstimos obsoletos das comadres e entendidas.
Corpo docente da Escola de Enfermeiras
Diretor: Dr. Getúlio dos Santos
(1º ano) (2º ano)
1ª Cadeira:
Anatomia e Psicologia
Dr. Getúlio dos Santos

4ª Cadeira:
Assistência aos doentes
de clínica cirúrgica
Dr. Estellita Lins


2ª Cadeira:
Assistência aos Doentes
de Clínica Médica
Dr. Amaury de Medeiros

5ª Cadeira:
Assistência a mulheres
grávidas e aos recém-
nascidos
Dr. Carlos Eugênio Guimarães


6ª Cadeira:
Economia Doméstica
Sra. Idália de Araújo Porto Alegre
3ª Cadeira:
Higiene
Dr. Abdon Eloy Lins


Enfermeiras Visitadoras
Depois da organização da Liga de Sociedades de Cruz Vermelha, em Genebra, em 1920, ficou assentado iniciar a série de campanhas de saneamento e de higiene social que resumem o Programa de Paz para as Sociedades Nacionais de Cruz Vermelha de acordo com o estabelecido pela Liga e pela Conferência Internacional de Cannes. Entre as diversas missões do plano, cabiam às Sociedades Nacionais formar médicos e enfermeiras nas escolas já estabelecidas para instruir o público sobre as questões relacionadas às doenças infecciosas. A LIGA se comprometeu a concentrar e espalhar informações médicas e com este fim publicar a Revista Internacional de Higiene Pública, de circulação bimestral e o Boletim da Liga das Sociedades de Cruz Vermelha.
CRUZADA NACIONAL CONTRA A TUBERCULOSE
Em 1º de julho de 1920, a Cruz Vermelha Brasileira criou dois departamentos de assistência: o de Profilaxia da Tuberculose e o de Profilaxia das Moléstias Venéreas, que também recebeu o nome de Cruzada Nacional contra a Tuberculose, cujas primeira e segunda Diretorias foram assim compostas:
PRESIDENTE DE HONRA
Sra. Célia Vaz de Melo Bernardes,
Esposa do então Presidente da República Arthur Bernardes.
PRESIDENTE
Sra. Olyntho Magalhães
VICE-PRESIDENTES
Sras. Hortência Weinschenck, Jeronyma Mesquita, Pereira Carneiro, Elvira Gudin, Alice Ortigão, Eugênio Barros
SECRETÁRIO GERAL
Dr. Amaury de Medeiros
SECRETÁRIAS
1ª: Esther da Silva Pêgo
2ª Branca Caldeira de Barros
3ª Idália de Araújo Porto Alegre
TESOUREIRO
1º Dr. Antero de Almeida
2ª Sra. Antero de Almeida
1923
PRESIDENTE DE HONRA
Esposa do então Presidente da República Epitácio Pessoa.
PRESIDENTE
Sra. Olyntho Magalhães
VICE-PRESIDENTES
Jeronyma de Mesquita, Hortencia G. Weinschenck, Anna de Barros, Celestina Grandmasson, Cassilda Martins.
SECRETÁRIO GERAL
Dr. Amaury de Medeiros
SECRETÁRIAS
Esther Pêgo, R. Williams, Branca C. de Barros, Idália de Araújo Porto Alegre.
Tesoureira
Elvira de Figueiredo Gudin
DEPARTAMENTO DE PROFILAXIA VENÉREA
A iniciativa de luta real e eficiente contra as doenças venéreas coube no Brasil à Cruz Vermelha Brasileira.
Anteriormente várias tentativas se esboçaram não atingindo uma realização de sucesso; assim é que a Sociedade de Profilaxia Sanitária e Moral se extinguiu por falta de apoio da administração pública.
Igual sorte coube a um grupo de moços que em São Paulo conseguiu organizar um dispensário antivenéreo, sacrificado também pela indiferença oficial. Na Marinha de Guerra, tentou-se mesmo a profilaxia a bordo de certas unidades. Só em 23 de março de 1920, teve início a verdadeira campanha.
O Presidente da CVB, Dr. Ferreira do Amaral, designou o Dr. Estellita Lins, médico urologista da CVB, para organizar a luta contra as doenças venéreas. Foram esboçadas as seguintes bases de organização:
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Postos de Profilaxia;
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Ambulatório para tratamento;
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Laboratório de pesquisas;
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Inspeção venérea;
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Propaganda;
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Cursos práticos de doenças venéreas e das vias urinárias;
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Hospital de Urologia.
Foi enviado aos jornais o seguinte ofício:
Tendo a Diretoria da Cruz Vermelha Brasileira em obediência ao seu programa de paz e às deliberações da Liga das Sociedades de Cruz Vermelha, na Conferência Internacional de Cannes, em que se fizeram representar todas as Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha, resolvido confiar-me o encargo de iniciar desde já a campanha da profilaxia venérea, espero obter o concurso valioso do seu jornal, sempre tão empenhado na defesa dos interesses e bem estar da população desta cidade. Este concurso poderá ser de duas espécies:
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Intensificar, por intermédio de seu jornal, a propaganda da campanha contra este terrível flagelo das sociedades modernas;
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Promover a subscrição de donativos destinados a auxiliarem a CVB nos pesados encargos materiais, que acaba de assumir com a criação do Departamento da Profilaxia Venérea.
Julgo desnecessário repetir quão importante serão os resultados e benefícios que a campanha de profilaxia venérea trará em nosso meio onde nada se tem feito até hoje neste sentido.
Independente de donativos em dinheiro, a Cruz Vermelha Brasileira também aceita artigos diversos (materiais para construção, instrumentos cirúrgicos, produtos químicos e farmacêuticos , etc. e em agradecimento conferirá título aos que lhe levarem o seu apoio moral, material e pecuniário, obedecendo à ordem de valores oferecidos, como critério de distribuição destes títulos.
Cônscio de que continuará a prestar a esse empreendimento os valiosos serviços de que carece para seu satisfatório êxito, hipoteco mil e muitos obrigados. E sou com estima seu constante admirador, Dr. Estellita Lins – Diretor do Departamento de Profilaxia Venérea da CVB.
CONFERÊNCIAS PÚBLICAS
Sobre educação sensual e venérea, com entrada franca, na sede social, no centro Cosmopolita, no Liceu de Artes e Ofícios, foram realizadas por médicos e acadêmicos, de maio de 1920 a dezembro de 1922, um total de 42 conferências para homens e mulheres. Dentre elas sobressaíram de interesse as seguintes:
Vênus Perversa; Juventude incauta; Ao ouvido dos que se vão casar; pecado dos pais, maldição dos filhos; A castidade perante a moral e a ciência; O que os rapazes não devem ignorar; O amor que nobilita e o amor que avilta; No reino de Momo, Vênus se diverte, Mercúrio espreita; Rosas que inebriam por momentos; Espéculos que sangram a vida inteira.
CURSO DE ENFERMEIRAS VISITADORAS
Em 1920, ocorria a inauguração do primeiro curso de enfermeiras visitadoras, idealizado por Amaury de Medeiros, professor do curso de enfermagem da CVB.
Dentre os acontecimentos que precederam a criação dos cursos, destacam-se a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a gripe espanhola, em 1918 e, por ultimo, a tuberculose. Para este último, era necessário implementar estratégias para reduzir o número alarmante de casos na cidade, onde o maior índice de óbitos estava inserido na faixa etária entre 20 e 39 anos, idade produtiva.
O processo imigratório, ocorrida após a I Guerra Mundial, de urbanização e industrialização acarretou problemas econômicos e sociais no Rio de Janeiro, que atingiram tanto os imigrados quanto os antigos moradores. O Rio de Janeiro, então capital federal, apresentava um cenário insalubre com condições sanitárias bastante precárias. As habitações eram de má qualidade, havia um crescimento desordenado dos cortiços, com péssima ventilação, ausência de serviços de abastecimento de água e de remoção de lixo, além do desemprego e exploração de mulheres e crianças. Os ambientes das fábricas eram precários e insalubres, acarretando danos também à saúde do trabalhador. A saúde brasileira no início do século XX apresentava, principalmente, doenças como a febre amarela, varíola, malária, ancilostomose, sífilis e tuberculose, que eram intensificadas pelas péssimas condições sanitárias do país.
Diante desse quadro, a enfermeira visitadora foi considerada fundamental para se desenvolver a educação sanitária na população, bem como para a formação de um elo entre a família e o serviço de saúde.
É vidente que a questão de gênero teve influência na criação dessas agentes. Para os sanitaristas, a mulher, com seu jeito de ser, conseguiria romper os obstáculos na relação familiar e conseguiria ser mais aceita nos lares.
Amaury de Medeiros organizou o curso de enfermeiras visitadora na CVB por meio de conferências públicas, enfatizando a temática da tuberculose, que cobriu o período de seus meses finais do ano de 1920. As conferências foram realizadas por médicos com os seguintes temas descritos abaixo. Essas conferências foram ainda veiculadas em revistas do meio médico e em revistas femininas.
Tratamento da tuberculose óssea: Dr. Moraes Coutinho. Educação profilática: Dr. Estellita Lins. Como se vê o micróbio da tuberculose: Não identificado. Os primeiros sinais da tuberculose: Não identificado. As doenças venéreas e o casamento: Não identificado. Sinais alarmantes da tuberculose: Dr. Amaury de Medeiros. Regime alimentar na tuberculose: Dr. Castro Barreto. Pesquisas complementares para o diagnóstico da tuberculose: Dr. Amaury de Medeiros.



Idália de Araújo Porto Alegre - Primeira brasileira e enfermeira da América do Sul a receber a Medalha Florance Nightingale (1927)
Nasceu em 1888, no Rio de Janeiro, e estudou na Inglaterra e na Bélgica. Ao retornar para o Brasil, participou da Seção Feminina da Cruz Vermelha Brasileira entre 1917 e 1937. Inscreveu-se na Escola de Enfermeiras Voluntárias e recebeu o diploma em 1915. Em 1917, foi a única mulher nomeada no período de 1916 a 1923, como professora da Escola de Enfermeiras Profissionais, onde passou a ministrar a matéria de Economia Doméstica. Angariou fundos e remeteu fonativos aos feridos da I Guerra. Obteve destaque entre o grupo de enfermeiras que atuaram contra a gripe espanhola. Participou como aluna do curso de enfermeira visitadora em 1920 e atuou como 3ª Secretária da Cruzada Nacional Contra a Tuberculose. Além disso, recebeu a medalha Rainha Elizabeth e, em 1921, foi requisitada pelo governo federal para auxiliar na criação do dispensário de tuberculose, mas contraiu a doença. Ao se recuperar, retornou para a Cruz Vermelha Brasileira. Foi enfermeira-chefe da policlínica do Instituto Médico-Cirúrgico da CVB e foi a primeira enfermeira brasileira a receber a Medalha Florence Nightingale pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em Genebra, em 1927. Desempenhou seus trabalhos no Departamento Nacional de Saúde Pública. Manteve-se no Conselho Diretor da CVB até 1940, onde exerceu as funções de Secretária da Escola de Enfermagem e Tesoureira do Hospital da CVB. Aposentou-se no ano de 1940.

Seção Central de Enfermeiras
Em 1 de setembro de 1941 foi criada a Seção Central de Enfermeiras na CVB, cujo objetivo principal era o estudo de todas as questões relativas à instrução, formação e alistamento das enfermeiras e auxiliares voluntárias e de suas atividades dentro do programa da Cruz Vermelha Brasileira, estabelecendo cooperação com as organizações nacionais e internacionais correlativas e também quanto às questões concernentes ao exercício e ao amparo social da profissão. Foram designadas para Chefe e Adjunta as enfermeiras Mabel Henriete Lisboa Shaw, Maria Sylvia Franco e Irene de Miranda Cotegipe Milanez.
Nos anos seguintes, sob a coordenação da Enfermeira Irene Milanez, foram criadas campanhas em favor das vítimas de guerra, incluindo as enfermeiras que integraram a FEB.
ENTREGA DE DIPLOMAS E BRAÇAIS
Tradicionalmente a festa de entrega de diplomas e braçais às enfermeiras que se formavam pela Cruz Vermelha Brasileira era comemorada anualmente no mês de maio, em homenagem à Ana Nery e Florence Nightingale (12 e 20 de maio).
No período mencionado, a Instituição realizava a Semana da Enfermeira da Cruz Vermelha, com o objetivo convidar as demais escolas de enfermagem para apresentar conferências.
Enfermeiras formadas na Escola de Enfermeiras da CVB que atuaram na II Guerra Mundial
As primeiras enfermeiras incorporadas à FEB – Força Expedicionária Brasileira – foram na sua maioria formadas na Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira.
Quatro enfermeiras formadas na Escola de Enfermeiras da CVB (1942) foram incorporadas à FEB (Força Expedicionária Brasileira): Antonieta Ferreira (Enfermeira profissional), Carmem Bebiano, Elza Cansação Medeiros e Virgínia Portocarreiro (Samarinatas).

Carta do Gen. Mascaranhas de Moraes sobre atuação da CVB no “Teatro das Operações”
Abaixo a transcrição da carta do General Mascarenhas de Moraes (Comandante em Chefe no Front italiano) ao General Ivo Soares, presidente da Entidade.
“Itália, 15 de março de 1945. Exmo. Sr. General Ivo Soares – Presidente da Cruz Vermelha Brasileira. Dentre as instituições que mais se destacaram no Brasil pela assistência que tem procurado dar aos saldados expedicionários, está a Cruz Vermelha Brasileira de que V.Exa é digno Presidente. Ainda agora acabo de receber, para serem distribuídos aos nossos soldados excelentes agasalhos e utilidades, cujo total, até o momento, monta cerca de cinco toneladas de artigos diversos. Além da valiosa contribuição, não posso deixar de mencionar o carinho dispensado pela Cruz Vermelha Brasileira às nossas jovens e abnegadas enfermeiras que, nos Hospitais deste Teatro de Operações, levam diariamente aos nossos doentes e feridos o conforto da presença da amiga da mulher patrícia, tão nobre nos seus sentimentos como decidida na sua ação. Por todos esses serviços, o Comando e a Tropa Expedicionária Brasileira têm motivos suficientes para reconhecer e proclamar a valiosíssima cooperação e dedicada assistência que lhes são prestadas pela Cruz Vermelha, cuja benemerência deve constituir um título de honra e orgulho para V.Exa. e para todos os que trabalham nessa famosa e respeitável Instituição. Agradecemos em meu nome e no da Força que tenho a honra de comandar, os presentes e a solidariedade da Cruz Vermelha Brasileira, peço que aceite e transmita aos colaboradores de V.Exa. as expressões de nosso grande reconhecimento e elevado apreço. Do camarada e admirador, [Assina] General Mascarenhas de Moraes.”
Painel montado pela CVB em homenagem aos defensores do Brasil na Itália, exposto na Av. Rio Branco (RJ), quando da chegada do primeiro escalão da FEB.

Irene de Miranda Cotegipe Milanez - Segunda brasileira a receber a Medalha Florance Nightingale (1949)
Ex-Aluna da Escola de Enfermagem da CVB, formou-se em 1939. Chefiou a Seção Central da Enfermeira na CVB e coordenou campanhas em favor das vítimas da II Guerra Mundial. Foi Membro do Conselho Diretor de 1946 a 1966.
Em 1947 foi condecorada pelo Governo brasileiro com a Medalha de Guerra pelos relevantes serviços prestados à CVB naquele período, organizando inúmeros cursos de enfermagem de urgência de modo a preparar enfermeiras voluntárias que pudessem servir no front, em caso de necessidade. Em 1948 Inaugurou a Cantina da Criança, da CVB Juvenil, cujo objetivo era fornecer uma refeição às crianças carentes que se consultavam nos ambulatórios do Hospital da CVB; roupas e brinquedos também eram doados. Nas ações de Socorros aos flagelados da Zona da Mata, em 1948, coordenou a instalação de postos de socorros nos locais afetados. Chefiou desfiles de alunas da Escola de Enfermeiras na Parada de 7 de Setembro. Difundiu seus cursos de Primeiros Socorros na sede do Órgão Central da CVB e nas diversas Filiais da Entidade. Nos anos de 1950 e 1951, participou de Programa Não estamos sós, da Rádio Emissora Nacional, representando a Cruz Vermelha Brasileira. Em 1952 foi distinguida com a Medalha do Mérito criada pela Standard Oil Company do Brasil.
Exerceu cargo na Diretoria da CVB em 1961 como Secretária. Foi nomeada Diretora da Escola de Enfermagem em 1963 e participou da Comissão da CVB no Congresso do Centenário da Liga, em Genebra, e foi nomeada pela Diretoria da CVB como a “Enfermeira nº 1 da Cruz Vermelha Brasileira”.
Faleceu em 15 de junho de 1966 no Rio de Janeiro.
